Seguidores

terça-feira, 15 de maio de 2007

Os bálcãs mandam lembranças

Sei que pode parecer estranho, coisa de gente neurótica, fascinada pelo que faz e que enxerga chifre em cabeça de cavalo, mas eu não posso evitar constantes menções à realidade balcânica, tema de minhas mais recentes pesquisas, quando sou levado a pensar e debater política e sociedade.
Pra começo de conversa, não entendo a imprensa. Na década de noventa, quando a política balcânica convulsionou-se em guerras selvagens e, por vezes, constrangedoras, os jornais não paravam de exibir e explicar o conflito ‘’historicamente’’(as aspas são um protesto pelo uso por vezes inadequado da pesquisa histórica no meio jornalístico), investigando anacronicamente suas origens e fazendo com que um processo social complexo e antiqüíssimo fosse tratado como ‘’explosão de violência injustificada’’.
De acordo com os testemunhos que ouço, à época, as notícias sobre Dubrovnik e Sarajevo pipocavam a todo o momento. A esses primeiros conflitos não assisti (aquele que vos escreve ainda é um jovem de ‘’vinte e poucos’’, e ainda dava os primeiros passos nem tão sólidos - às vezes acho que muito mais sólidos do que os de agora - em direção à História), mas pelo que leio hoje e sempre ouvi, os Bálcãs estiveram nas salas de estar da maioria das pessoas e lá permaneciam por longo tempo.
Quando eclodiu a Guerra do Kosovo (resultado de uma série de tensões também muito antigas, agravadas pela dissolução da antiga Iugoslávia e pelo crescimento dos movimentos armados muçulmanos, já na época evidentes, hoje uma realidade mundial) pude acompanhar o desenrolar dos fatos e as conseqüências destes para o mundo que entrava no século XXI.
A questão é que, depois disso, a região desapareceu do mundo. Após a prisão de Milosevic e sua extradição para o Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia (ICTY), a mídia esqueceu os Bálcãs e, pelo jeito os historiadores ocidentais também. Em 11 de julho de 2005, os Bálcãs lembraram-se do fatídico massacre na cidade de Srebrenica que, em 1995, foi invadida por efetivos do exército sérvio bósnio e onde estes mataram cerca de 7.000 homens, o pior massacre ocorrido na Europa depois da Segunda Guerra Mundial. Exceto isso e as noticias dos shows que Milosevic dava na prisão de Haia, recusando a aceitar sua culpa nos conflitos e a autoridade do TPI, os jornais e a televisão esqueceram-se do barril de pólvora balcânico.
Agora, em 2007, o mandato especial da ONU para a proteção de Kosovo expirará. A comunidade internacional sabe disso e, sobretudo, sabe das conseqüências da retirada de tropas da região, pois os Bálcãs, se não estão convulsionados em guerras como a dez anos, também estão longe de ser uma região pacífica, estável e segura. O ‘’Courriers des Balkans’’, publicação francófona que traz noticias bastante interessantes a respeito da região noticiou por esses dias que o governo sérvio liderado por Vojislav Kostunica, que se parecia ser o homem encarregado de apagar as péssimas lembranças que o governo de Milosevic deixou na Sérvia, autorizou (ou ao menos recusou-se a condenar) a formação de um grupo paramilitar sérvio em território kosovar, em virtude da forte campanha nacionalista da minoria étnica albanesa que busca a independência da região (financiada pela máfia albanesa que ganha fortunas permitindo que as áreas albanesas dos Bálcãs sirvam de caminho de entrada para o ópio produzido no Oriente Próximo e que faz sucesso na Europa) e do risco da retomada das hostilidades iniciadas em 1999, que causaram comoção mundial. Esse grupo, segundo um dos líderes da organização que reúne os veteranos sérvios das guerras balcânicas da década de 90, é chamado de ‘’Guardiões do Príncipe San Lazar’’ – O último príncipe sérvio derrotado pelos turco-otomanos na batalha de Kosovo Polje em 1398 - e reúne, atualmente, 5000 voluntários sérvios armados e prontos para ‘’defender, por todos os meios necessários, a população sérvia do Kosovo’’, no caso de um levante armado muçulmano que suspeita-se estar próximo, dados o fracasso das negociações de Matti Atisahari, emissário da ONU para Kosovo, e o governo sérvio e a crescente reticência da Sérvia em aceitar a redivisão de seu já vilipendiado território.
O estabelecimento e o reconhecimento de um grupo paramilitar sérvio em território kosovar deixa em alerta os mais atentos. Os ‘’Guardiões do Príncipe San Lazar’’ fazem lembrar os ‘’Tigres de Arkan’’ de Raznatovic, que espalharam terror na Bósnia Oriental, ou os ‘’Escorpiões’’ que participaram do massacre em Srebrenica e cujos integrantes (alguns) foram julgados e condenados por um tribunal sérvio há algumas semanas, num processo histórico para a Sérvia. Não é um bom retrospecto e acredito que o leitor concorda comigo. Estruturar oficialmente um grupo desses é demasiado perigoso para as relações entre os países da esfera iugoslava. Como disse Milosevic certa vez: ‘’não falem em corda na casa de um homem que acabou de se enforcar’’...

Nenhum comentário:

Postar um comentário